O Dr. Alexei Gama concedeu uma entrevista ao site R-Crio falando sobre o uso de células-tronco na cicatrização. O conteúdo a seguir, foi publicado originalmente no endereço: https://www.r-crio.com/blog/entrevista-com-especialista-celulas-tronco-para-cicatrizes/
O médico Alexei Gama de Albuquerque Cavalcanti vem de uma família de cirurgiões-dentistas. Seguiu os caminhos do pai e também do avô na profissão. A primeira formação foi pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Sempre teve grande interesse na área regenerativa. Como dentista, envolveu-se com a implantodontia e cirurgias orais, onde enxertos ósseos poderiam contar com tecnologias associadas, como a do PRP – Plasma Rico em Plaquetas –, utilizada para acelerar o processo de cicatrização e a regeneração óssea após procedimentos cirúrgicos, e o da fibrina, rica em plaquetas e leucócitos (L-PRF), uma alternativa para a regeneração de tecidos moles e tecidos duros.
Depois de alguns anos trabalhando na odontologia, e com a chancela de mestre concedida pela Universidade São Leopoldo Mandic, de Campinas (SP), Gama decidiu estudar medicina, formou-se pela Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro (UNIRIO) e, hoje, está no segundo ano de formação da residência de cirurgia plástica, no Hospital da Plástica, no Rio de Janeiro. É lá que desenvolve um estudo com células-tronco mesenquimais para a regeneração da pele.
Nesta entrevista exclusiva, o médico conta em detalhes o desenvolvimento do seu estudo e aplicação. Ainda fala sobre as perspectivas promissoras do Brasil, que avança com possibilidades de se tornar referência mundial em terapias celulares, além da importância da coleta de células-tronco autógenas para o futuro.
1 – Quem é Alexei Gama? Qual a sua formação e especialização?
Me formei em odontologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e segui na implantodontia e cirurgia oral. Nessa área, sempre atuei na parte cirúrgica e de enxertos ósseos. Fiz mestrado acadêmico em implantodontia pela Faculdade São Leopoldo Mandic, em Campinas (SP). Sempre tive muito interesse na área regenerativa da odontologia. Depois de alguns anos de formado, optei por ingressar na faculdade de medicina, exatamente para seguir o caminho de formação na cirurgia plástica. Já sabia que seria uma trajetória longa, mas era algo que acreditava ser capaz de ampliar a minha capacidade técnica e somar aos meus conhecimentos odontológicos, aos conhecimentos mais abrangentes do corpo, da saúde e também cirúrgicos. Frequentei medicina na Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro (UNIRIO) e segui para a especialização em cirurgia geral pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ. Atualmente, estou no segundo ano de formação da residência em cirurgia plástica, pelo Hospital da Plástica, no Rio de Janeiro, que tem grande reconhecimento e é voltado para a estética. Essa é a minha trajetória acadêmica. Paralelamente à residência, sou diretor técnico e executivo, além de médico, da clínica VITRUVIANA, em Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro. Na clínica, faço cirurgia oral, implantodontia e procedimentos cirúrgicos mais importantes. No entanto, temos uma equipe de profissionais da odontologia, corpo médico e de profissionais da saúde. Implementamos uma visão multidisciplinar, que atende o paciente de forma global. Aqui temos cirurgia plástica, endocrinologia, nutrição, avaliação física e funcional realizada por um educador físico. Temos também cosmiatria. É um olhar um pouco mais abrangente para o paciente, não focado apenas na especialidade cirurgia plástica.
2 – Como surgiu o interesse de levar as células-tronco para a cirurgia plástica?
Desde de a época da graduação na medicina, já acompanhava as cirurgias e os pós-operatórios e percebi que havia uma limitação muito grande sobre as cicatrizes, principalmente na pele. Isso foi algo que me gerou um questionamento. Então, resolvi me aprofundar. Escrevi a monografia de conclusão de curso, dentro da faculdade de medicina, sobre o uso das células-tronco mesenquimais na regeneração tecidual, focada, principalmente, na pele.
3 – Quais foram os estudos e constatações?
O fato de a cicatriz existir na pele em qualquer ato cirúrgico e, logicamente, as suas variações, dependendo da região, da extensão ou do tipo de paciente, sempre foi uma questão que me incomodou. Resolvi estudar. Existe um processo biológico, dentro da formação embrionária do ser humano que, até a metade da gestação, qualquer ferida feita em um feto, no interior do útero, é totalmente regenerada. Então, existe uma capacidade do organismo, até a metade da gestação, de se regenerar completamente. Depois, até mesmo o feto passa a ter a formação da cicatriz. Exatamente igual ao que observamos em adultos e nas pessoas em geral. A pele é um tecido que não consegue se regenerar totalmente. A cicatriz é uma falha do processo regenerativo. Foi uma adaptação evolutiva para que as feridas se fechassem rapidamente. É importante frisar que existem alguns tecidos no corpo humano que possuem uma capacidade regenerativa completa, por exemplo, o tecido ósseo, que se regenera de uma fratura. Não há formação de fibrose, que é praticamente um tecido composto por fibroblastos, as principais células envolvidas na formação da cicatriz. O fígado, quando removido um pedaço, regenera-se, dando origem a um novo órgão funcional. No entanto, a pele, como outros tecidos – como o músculo cardíaco, o pulmão – ganha uma cicatriz quando ferida. Então, a cicatriz é, na verdade, a incapacidade de alguns órgãos e tecidos de se regenerar, ou seja, recuperar a capacidade plena e funcional saudável. É um tecido de substituição que não possui as características originais em termos de força, capacidade de tensão. Não possui anexos epidérmicos como folículos pilosos, as glândulas sebáceas, ou seja, não tem as outras estruturas que uma pele saudável possui. O objetivo, basicamente, é reparar e fechar a ferida. O que se coloca nos estudos é que evolutivamente, no desenvolvimento da espécie humana, o homem, quando submetido a uma ferida, em um ambiente sujo e contaminado, precisava de uma solução rápida para não deixar o organismo exposto por muito tempo. A pele é uma barreira de proteção, que reveste todo o organismo. Então, o corpo criou essa solução temporária que tem consequências não só estéticas desagradáveis, mas também funcionais. Claro que a estética é muito importante, não só pela ferida de uma cirurgia. Vamos falar então de um queimado, que teve parte do rosto e do pescoço lesionada. Onde se formou uma cicatriz grande e exposta, ou ainda, que pegou uma articulação e a fibrose da cicatriz não permite que a pessoa movimente o membro. Nesse sentido, a cicatriz é realmente limitadora. Além das cicatrizes hipertróficas, ou cicatrizes queloides, que é um distúrbio que faz com que a cicatriz seja ainda maior e mais intensa.
4 – No caso de queimados, por exemplo, qual a atuação das células-tronco na regeneração da pele lesionada?
Existem diversas frentes na cirurgia plástica que buscam soluções para problemas complexos. Em relações às feridas, temos as de pós-queimados, as feridas crônicas, que inclusive a cirurgia plástica é muito requisitada para tratar, de doentes que estão internados há muito tempo, as úlceras de pressão, pacientes diabéticos, que têm feridas de difícil cicatrização. Enfim, existem várias frentes usando as células-tronco mesenquimais para facilitar e melhorar a capacidade do organismo de fechar essas feridas.
5 – Sua pesquisa na cirurgia plástica, para o tratamento de cicatrizes com células-tronco, abrange todos esses casos?
Não. O hospital ao qual estou vinculado é voltado para a estética. A nossa pesquisa – até porque na literatura tem muito mais estudos relacionados às feridas maiores e mais complexas – tem como foco as cicatrizes estéticas, pós-cirúrgicas. Objetivamos que, com a aplicação das células-tronco durante o ato operatório na região onde aconteceram as incisões cirúrgicas, que se forme uma cicatriz menos intensa, menos perceptível e que a regeneração local seja mais próxima possível do natural. Pela padronização do estudo, vamos realizar os ensaios com as abdominoplastias. Porque é uma cicatriz muito longa, de ilíaco a ilíaco, que pega toda a região da cintura. Então, é mais fácil de padronizar em termos de centímetros e de quantidade nas áreas de aplicação das células. Isso está em desenvolvimento em parceria com a R-Crio. No entanto, existem também trabalhos que mostram o tratamento de alopecia – perda capilar. Os folículos capilares têm mais densidade e qualidade com o uso de células-tronco. Há uma área de pesquisa muito forte na cosmiatria que utiliza as células-tronco junto aos enxertos adiposos para preenchimentos, tanto para pacientes com doenças – congênitas ou adquiridas – onde há perda de tecido adiposo, quanto para preenchimentos estéticos. Porque o tecido adiposo, sem as células-tronco, tem uma instabilidade muito grande e tende a se reabsorver de uma forma imprevisível. Por esse motivo, a cosmiatria sempre buscou outros materiais um pouco mais previsíveis no tempo de reabsorção. O tecido adiposo é uma fonte fantástica de células-tronco e, enriquecido com células-tronco cultivadas no laboratório, o enxerto, no caso do tecido adiposo, tem uma previsibilidade de sucesso e de manutenção muito maior. São muitos os trabalhos nesse sentido; é uma linha que, futuramente, gostaria de trabalhar. Me interesso muito.
6 – Qual a sua opinião sobre a tendência de produtos cosméticos com células-tronco?
Vejo como o futuro. Uma grande interrogação da cosmiatria é a reabsorção dos produtos usados como preenchedores. O paciente tem a necessidade semestral ou anual de reaplicar o ácido hialurônico, por exemplo, que é o mais usado. Acredito que o tecido adiposo, enriquecido com células tronco, possa ser um substituto permanente dos preenchedores temporários. O paciente não terá que reaplicar e ter a necessidade de reposição. Além das aplicações tópicas na derme, que podem ser feitas para estimular a produção de colágeno como a questão capilar, terá como função melhorar a densidade dos folículos. Existe essas possibilidades, de se envolver com o tecido para melhorar o transplante ou a aplicações tópicas e potencializar resultados. Por exemplo, um paciente que realiza um tratamento de pele com laser, com CO₂, fica com a pele exposta. Ao se agregar células-tronco, a qualidade do resultado do tratamento é muito superior. Essa associação tem sido estudada.
Uma outra associação fantástica está na parte de cirurgia plástica não estética, a reconstrução. Um estudo mostrou que a infusão venosa de células-tronco melhorará muito a qualidade do suprimento sanguíneo e a sobrevivência de retalhos feitos à distância. Existem muitas cirurgias reconstrutoras que necessitam de retalhos de pele. Às vezes, até mesmo retalhos compostos de pele e músculos para cobrir áreas doentes por traumas, câncer ou de queimados. A infusão venosa de células-tronco tem se mostrado melhor para a qualidade final de sobrevivência, suprimento sanguíneo e cicatrização desses retalhos. São muitas frentes dentro da cirurgia plástica que se mostram efetivas com a utilização das células-tronco mesenquimais.
7 – As células-tronco utilizadas nas suas pesquisas e estudos são do paciente, há a possibilidade de ser de doadores?
O nosso trabalho, inicialmente, tem como foco células-tronco autógenas, ou seja, do próprio paciente. No entanto, há trabalhos – e essa é uma característica da célula-tronco mesenquimal – que chamamos de estimulação do sistema imunológico, de gerar uma rejeição mínima do sistema imunológico, porque ela não tem receptores que promovem a ligação dos linfócitos e das células de defesa do organismo, que normalmente acontecem nos casos de transplantes de órgão inteiros. É como se as células-tronco fossem “invisíveis” ao sistema imunológico do receptor. Conseguem agir e executar a função sem gerar combate às células enxertadas. O Brasil tem um potencial muito grande para bancos de células-tronco mesenquimais, que poderiam ter processos de compatibilidade, assim como são os de medula óssea. Em geral, acredito que será possível a criação desses bancos.
8 – Por que que a célula-tronco funciona tão bem?
A inflamação é a grande responsável por gerar a cicatriz ou qualquer processo de dano ou ferida no organismo. Sempre que ocorre uma ferida, tem início, imediatamente, um processo inflamatório. O processo inflamatório, evolutivamente, como citado anteriormente, precisou ser muito intenso porque as feridas eram contaminadas e sujas. Existia uma possibilidade de infecção e morte do organismo. Então, era interessante que uma quantidade de células inflamatórias fosse rapidamente ao local da ferida e gerasse um ambiente altamente pró-inflamatório. Esse ambiente faz com que a cicatriz se desenvolva. As células-tronco, nesse sentido, tem um perfil anti-inflamatório. Elas se comportam como “maestros” dessa mediação química da inflamação para suprimir o ambiente inflamatório e torná-lo anti-inflamatório. E quando a inflamação diminui, permitimos que esse balanço entre a formação da cicatriz e a regeneração propriamente dita caminhe mais para a regeneração. Para ela acontecer, o ambiente não pode estar inflamado. A capacidade anti-inflamatória das células-tronco tem sido estudada para tratar diversas doenças imunes que atacam o corpo e tem como base o processo inflamatório descontrolado. As células-tronco têm a capacidade de ativar e produzir citocinas e mediadores químicos que fazem as células inflamatórias diminuírem de quantidade e se afastarem do ambiente, para que o processo regenerativo possa acontecer de forma mais tranquila.
9 – Aponte outros aspectos importantes do uso das células-tronco na medicina.
Estamos em uma fase da medicina em que há uma grande mudança de paradigmas de como tratar as doenças. Desde a descoberta do antibiótico, temos a terapia medicamentosa como ferramenta de tratamento das doenças. Quando usamos um medicamento, existe uma molécula que tem ação determinada no organismo, seja ela um antibiótico, um anti-inflamatório, um antialérgico etc. A ação é unidirecional. Quando usamos a célula-tronco, saímos da terapia medicamentosa para a terapia celular. A célula implantada no organismo tem potencial de DNA completo para ativar diversos tipos de proteínas, citocinas e mediadores químicos que interferem no microambiente onde ela se encontra. Então, é como se uma célula pudesse produzir centenas ou milhares de medicamentos. Ela interage com o microambiente, se direciona e tem a capacidade de ir até a região inflamada. Lá, produz as citocinas e proteínas por meio do próprio DNA. Então, deixa-se de ter uma molécula quando se toma o remédio e passa-se a ter uma miniusina produtora de mediadores químicos. Essa é a grande mudança de paradigma que falta ser compreendida pela população e pelos médicos em geral, na minha opinião.
10 – Sobre a resolução da ANVISA – Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº RDC 505/2021 – que definiu novas regras para registros de produtos classificados como terapias avançadas (produto de terapias celulares, de terapias gênicas e de engenharia tecidual), no seu ponto de vista, o que isso beneficia as pesquisas e estudos clínicos com células-tronco no Brasil?
O Brasil tem potencial para se tornar uma das referências mundiais no tratamento com células-tronco graças a empresas como a R-Crio, que investe em pesquisas. A medicina tradicionalmente é lenta para a criação de novos protocolos. Isso demanda tempo e muito estudo. Vimos recentemente nas discussões da classe científica sobre a COVID, por exemplo, que é uma doença recente e precisou descobrir como tratar etc. O estudo demanda tempo e pesquisa. Os trabalhos com células-tronco não fogem à regra. Temos pesquisadores habilitados nas diversas frentes onde as células podem ser utilizadas, produzindo ciência de qualidade, já em testes clínicos. O que nos permite migrar do acadêmico, que é a pesquisa científica, para a área clínica, ou seja, aplicar em pessoas. Acredito que os médicos, que não são cientistas ou pesquisadores, se questionam como o paciente pode se beneficiar desse tipo de terapia. Como a maioria das pesquisas estão em fase de desenvolvimento e calibração de quantidade de células e criação de protocolos, apesar da verdade científica estar muito bem estabelecida e testada em múltiplas frentes mundiais, ainda assim, existe a necessidade de criar os protocolos e viabilizar ao médico algo mais detalhado de como ele conseguirá tratar o paciente com esse tipo de terapia. Os médicos anseiam essa resposta e, para isso, os estudos precisam avançar. O momento em que o médico tiver isso realmente organizado, irá solicitar à R-Crio, por exemplo, as células armazenadas do paciente para aplicação na clínica. Esse será o momento de utilização em massa das diversas frentes que estudamos. O Brasil está na vanguarda de avanços facilitadores e vamos nos posicionando como um dos países que mundialmente estuda de forma intensa as células-tronco. O que é muito bom para nós e para a medicina mundial.
11 – O que tem a dizer para as pessoas que estão pensando em coletar e armazenar as suas células?
É importante o paciente entender uma questão básica: as células-tronco mesenquimais estão localizadas em diversos tecidos do corpo. Elas são células-tronco adultas, não são as embrionárias, da formação do embrião. Elas são multipotentes e conseguem se diferenciar em diversos tecidos, mas, com o tempo, envelhecem. Quanto mais jovem for feita a coleta, melhor. Isso não quer dizer que uma pessoa adulta não possa coletar. No entanto, quanto mais jovem, mais potencial multiplicativo, qualidade e facilidade no isolamento. Então, “guardar um pedacinho” de você, bem jovem, para quando precisar em uma idade mais avançada é muito interessante. Além da questão do tempo em laboratório, para a multiplicação e diferenciação das células. Como a R-Crio faz um processo real, de isolamento, comprovação e certificação de que se trata de uma célula-tronco mesenquimal de multiplicação, isso leva um tempo. Em casos de doenças agudas, no futuro, onde o paciente precisa de uma célula-tronco autógena de forma imediata, é bom estar prevenido. Nunca se sabe quando vai precisar. É como se fosse um seguro de saúde celular.